Análise Apolítica: Por que a Ford vai encerrar a produção de carros no Brasil.
12 de janeiro, 2021O fim da produção de carros da Ford no Brasil foi o desfecho triste de uma morte que estava anunciada há anos, mas ninguém quis acreditar. Nesta segunda-feira, 11 de janeiro, a Ford Motor Company anunciou que a Ford Brasil encerra sua operação de manufatura no País, fechando suas três fábricas: Camaçari (BA), Taubaté (SP) e Horizonte (CE).
O sinal mais forte de que a Ford Brasil estava gravemente doente foi dado há menos de dois anos, no dia 19 de fevereiro de 2019, quando a empresa decidiu sair do negócio de caminhões e fechou a histórica fábrica do ABC paulista.
Para além das graves consequências para trabalhadores, concessionários e fornecedores, a saída da Ford é péssima para o Brasil. As operações na América do Sul continuam e o mercado brasileiro receberá carros importados da Argentina e do Uruguai. Um vexame para o Brasil, que é o maior produtor de veículos da região.
É a terceira vez em menos de dois anos que um fabricante de carros decide parar de fabricar no País, pois entre os dois anúncios da Ford houve a desistência da Mercedes-Benz, no dia 17 de dezembro do ano passado, fechando a fábrica de Iracemápolis (SP), de onde saiam os modelos Classe C e GLA.
Por que a Ford sai do Brasil? De quem é a culpa? Em parte, essa culpa é da própria Ford. Desde os anos 1980, a marca cometeu erros estratégicos no Brasil, abrindo mão de sua reconhecida capacidade de fabricar carros bem acabados ou úteis, para entrar numa aventura com a Volkswagen na Autolatina.
A Ford então começou a perder sua identidade, com carros que tinham mais a característica prática dos alemães do que o DNA fordista. Aos poucos, a Ford foi desistindo de seus principais produtos. Perdeu a elegância do Del Rey, a esportividade do Escort XR3, o espaço da Belina e a praticidade da picape Pampa, que era derivada do Corcel II.
Durante anos, a Ford Pampa foi um dos veículos usados mais comercializados no interior do Brasil porque era a única picape acessível com tração 4×4. O mundo se tornou globalizado e isso só piorou as coisas. O Ford Focus era ótimo, mas não conseguiu se estabelecer diante de uma concorrência feroz, com a chegada de novos e sedentos competidores.
O pequeno Ka, que era um carro aspiracional para uma geração jovem, chegou caro demais. O Fiesta, campeão de vendas em vários países da Europa, não conseguiu se impor diante da mística do Volkswagen Gol e da ousadia comercial da Fiat com os modelos Uno e Palio.
Mesmo assim, a Ford teve duas chances de se salvar. A primeira delas foi com a picape Ranger, que introduziu o conceito de utilitário médio e até hoje faz sucesso. A Ranger fica no mercado, mas, como quase todas as picapes, é produzida na Argentina.
A melhor de todas as oportunidades – e que reergueu a Ford no Brasil – foi o lançamento do EcoSport, em 2003. Uma ideia genial e barata. Pegaram a carroceria do Fiesta, levantaram a suspensão, reforçaram a estrutura do carro, criaram um design jovem, inspirado em SUVs da Land Rover, aplicaram vários adereços estéticos de aventura e deu muito certo.
Durante 10 anos o Ford EcoSport liderou sozinho um segmento que todas as outras marcas ignoravam: o de SUVs compactos. Porém, enquanto dormia sobre os louros do EcoSport, a Ford fez uma opção errada e isso mudou tudo, terminando no triste desfecho desta segunda-feira.
Ao invés de investir em uma nova picape pequena ou compacta, que poderia ser baseada no próprio EcoSport, a Ford olhou para o passado e quis fazer o seu “Gol”. Conseguiu. O Ford Ka é o Volkswagen Gol aprimorado que todos tentavam fazer e não conseguiam. Porém, a GM também quis brincar neste segmento e lançou o Chevrolet Onix.
O Ford Ka era muito bom, mas o Chevrolet Onix chegou com uma multimídia moderna e acessível, e o conceito de câmbio automático no segmento de hatches compactos. Apesar de ter na matriz americana uma das melhores multimídias do mundo, a Sync 2.5 e a Sync 3, a Ford manteve no Ka e no EcoSport a ultrapassada Sync 2. Quando atualizou os carros era tarde. O público estava mais interessado em conectividade do que em motores.
No Brasil, os custos de produção continuavam sempre altos. Para piorar, as constantes crises econômicas criaram milhões de desempregados e endividados. A Fiat, por exemplo, desistiu dos carros de entrada, que deixavam pouca margem de lucro e exigiam altíssimos volumes de produção, para se concentrar no mercado de picapes, altamente rentável.
Justiça seja feita a vários executivos da Ford Brasil, que queriam entrar no segmento. A picape Courier, baseada no Fiesta, não repetiu o sucesso da Pampa, mas a Ford tinha o know-how de picapes. Poderia ter feito alguma coisa.
Fonte: https://neofeed.com.br